segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Ciência: Uma Caixa de Pandora ?

Diz a mitologia grega que ao ser aberta, a Caixa de Pandora libertou todos os males que vemos se abaterem sobre a terra. Será que a ciência é também uma espécie de caixa, que ao ser “aberta” pode liberar males que a natureza antes escondia?

Imagino ser pertinente tal questão pelo fato de que o conhecimento científico está intimamente ligado a criação de uma infinidade de dispositivos militares, sem citar interesses econômicos perniciosos. O fato mais marcante e famoso, e talvez o mais clichê, que ilustra esta visão é, no século passado, a criação das bombas atômicas de fissão e de hidrogênio e a ligação de vários cientistas com o projeto Manhattan, além da famosa carta de Einstein para o presidente americano Roosevelt.

Mas outro registro interessante, e muito menos conhecido pelo público, são as considerações do físico Pierre Curie acerca das potencialidades da “nova” descoberta que este e sua esposa, Marie Curie, faziam no final do século XIX e início do XX. Em 1903, quando ambos receberam o prêmio Nobel por suas pesquisas com Urânio, Rádio e Polônio (estes dois últimos elementos foram descobertos pelo casal), Pierre Curie encerrou seu discurso com as seguintes palavras:

“Pode-se ainda conceber que, em mãos criminosas, o rádio venha a tornar-se bastante perigoso, e aqui podemos indagar-nos se é vantajoso para a humanidade conhecer os segredos da natureza, se está madura para usufruir desses segredos da natureza ou se esse será nocivo. O exemplo das descobertas de Nobel é característico, os poderosos explosivos têm permitido aos homens executar tarefas admiráveis. São também um meio terrível de destruição nas mãos dos grandes criminosos que arrastam os povos para a guerra. Estou entre aqueles que pensam, como Nobel, que a humanidade extrairá mais bem do que mal das novas descobertas.”

Pierre Curie parece ainda carregar um sentimento positivista da ciência e da humanidade, uma visão de certa forma comum e “romântica” aos cientistas que viveram antes da primeira grande guerra. A mudança de tal sentimento pode ser notada no livro “O MAL-ESTAR NA CIVILIZAÇÃO” de Sigmund Freud (1929).

Mas podemos realmente dizer que a ciência é um grande mal para humanidade? Podemos coloca-la em cheque de tal forma a lhe atribuir todos os males atuais e do passado recente? Me vejo obrigado a fazer uma analogia, não para explicar, mas para nos fazer refletir, uma analogia utilizando a faca extremamente afiada.

Poderíamos dizer que a faca é um instrumento perigoso pois pode ferir a outros em mãos inescrupulosas, pode ferir em (e as) mãos não habilidosas ou desajeitadas, mas ela pode fazer um jantar maravilhoso nas mão de um mestre.

Também é injusto atribuir aos cientistas a máscara de cavaleiros do Apocalipse, quando é sabido que a esmagadora maioria destes trabalha com aplicações civis e/ou de conhecimento puro.

Além disto é inegável a quantidade de benefícios em todas as áreas, que a pesquisa tem proporcionado à humanidade (apesar do que mesmo com todas as suas conquistas as questões básicas humanas permanecem). Por isto casos isolados devem ser sempre vistos com cautela. A mesma descoberta da radiação que foi o germe para o desenvolvimento de armas de destruição em massa, teve aplicações médicas apenas alguns meses depois de sua descoberta. Marie Curie mesmo, durante a Segunda Grande Guerra, organizou um serviço de ambulâncias equipadas com aparelhos radiológicos, levando inclusive sua filha como assistente.

Assim a ciência é como qualquer construção humana, as intenções é que guiam suas utilizações e consequências, e não a descoberta em si, que nada mais é do que a revelação de uma das infindáveis facetas da natureza.


Referência:
Emilio Segrè, Dos Raios X aos Quarks – Físicos modernos e suas descobertas – Editora Universidade de Brasília

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